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Bugs, glitches e a triste rotina de falhas na atual geração de games

por Thiago Barros
Bugs, glitches e a triste rotina de falhas na atual geração de games

The Division é o mais recente caso de um baita jogo que fica manchado por conta de bugs e glitches. Exemplos de outros jogos com este tipo de problema não faltam. Assassin’s Creed Unity, por exemplo, teve tantos bugs que a Ubisoft teve que lançar um patch gigante para corrigir todas as falhas, e ainda deu um outro jogo de graça para os gamers como compensação. Mas por que isso acontece em pleno 2016? O Meu PS4 decidiu apurar.

Não estamos em uma Era onde a informação é de fácil acesso? Em que a indústria dos games está bombando e ganhando milhões e milhões de dólares por ano? Na qual os testes, alpha, beta, abertos ou fechados, são super propagados? Então, por que diabos uma empresa gigante com centenas de funcionários não é capaz de identificar glitches que são divulgados por jogadores em horas/dias após o lançamento dos jogos?

Os jogos digitais são programas bem complexos, e a tendência e que sejam cada vez mais. Não estou justificando que a gente tenha que aceitar esses erros na nossa geração, mas é um fator para se pensar. Existem modelos como o Early Access da Steam, onde jogos podem ser lançados para evitar bugs, especificamente os mais graves. A Aquiris tem uma equipe de testing que analisa os jogos antes, durante e depois do lançamento. Não é igual testar um jogo linear de plataformas e um RPG de mundo aberto, mas em linhas gerais pode demorar entre duas semanas e 1 mês ou mais.

A declaração acima é de Jesús Fabre, responsável pela comunicação da Aquiris Game Studio, em entrevista ao Meu PS4. Quem também falou ao site sobre o assunto foi Sae Sawanoguchi, responsável pelas relações com a imprensa da Behold Studios, popular estúdio de desenvolvimento de games indies no Brasil.

Bug do personagem sem rosto marcou Assassin's Creed Unity
Bug do personagem sem rosto marcou Assassin’s Creed Unity

Ela acredita que a pressão sobre os desenvolvedores é um dos motivos para possíveis falhas não serem detectadas antes de os games chegarem ao mercado.

Muita pressão de grandes stakeholders pra que os jogos sejam terminados cada vez mais rápido acabam por diminuir a atenção que se pode dar pra essa parte. Isso somado ao fato de os jogos estarem cada vez mais complexos contribuem pra que os jogos tenham muitos bugs.

“Desanima jogar assim”

GTA V foi um exemplo de como os bugs e glitches podem arruinar uma experiência online. Hoje, tudo está corrigido e muita gente ainda joga, mas logo que o game foi lançado, o GTA Online, que era para ser a menina dos olhos da Rockstar, teve sérios problemas com isso. Era possível enriquecer de forma rápida, comprar os melhores veículos, como helicópteros e tanques, além de armas, casas e roupas para ostentar.

Vídeos ensinando glitches no GTA fizeram sucesso no YouTube
Vídeos ensinando glitches no GTA fizeram sucesso no YouTube

Essa experiência, inclusive, eu vivi. Quando soube dos bugs, falei com os amigos para a gente não ir por esse lado, até porque eles provavelmente seriam corrigidos rapidamente e a Rockstar iria dar punições exemplares a quem estivesse usando estas falhas. O tempo passou e nada aconteceu. Restavam três opções: ser atropelado por quem bugava, parar de jogar ou bugar também. 

O mesmo caso acontecece hoje com The Division, da Ubisoft. O jogo tem problemas no PvE, como a falha do escudo que permite atravessar uma porta para fazer a Incursão, atividade high-end e que dá os melhores loots, sem sofrer dano e sem ter que matar um inimigo sequer além do boss, e no PvP, que tem um glitch bizarro na Dark Zone que permite que os jogadores fiquem ganhando XP “fora do mapa”. O social media Davi Marques, por exemplo, conta que vem deixando de jogar este game por conta dos bugs.

Tendo o The Division como exemplo, fico decepcionado com a quantidade de bugs na geração atual. Houve uma espera absurda pelo jogo e quando eles finalmente entregaram, antes mesmo da Raid já tinham diversos bugs e glitchs sendo utilizados. O The Division hoje é uma versão 2.0 do GTA V, outro jogo que decepcionou com as trapaças no online. Desanima jogar assim.

Glitch em The Division permite fazer atividade end-game de maneira "ridícula"
Glitch em The Division permite fazer atividade end-game de maneira “ridícula”

Punir ou não punir: eis a questão

Destiny foi outro jogo que teve problemas com bugs e glitches. Quando os Desafios de Osíris, atividade PvP, foram lançados, alguns usuários descobriram que eles não perderiam partidas caso saíssem antes de elas de fato começarem. Muita gente fez isso para conseguir manter-se invicto e ganhar recompensas melhores.

Cerca de duas semanas depois, a Bungie não só corrigiu a falha como suspendeu quem abusou do glitch. A empresa vem atuando forte nesta área, para impedir que se tenha uma sensação de impunidade ao trapacear. Mas aí entra outra questão polêmica: por que punir o jogador por explorar uma falha que é culpa da empresa?

Trapaceiros foram banidos em Destiny
Trapaceiros foram banidos em Destiny

O gamer Leonardo Grillo, engenheiro, acredita que os jogadores que se aproveitam de bugs e glitches devem, sim, ser punidos. Afinal, os resultados que eles conseguem com isso serão usados, posteriormente, em modos de jogo que irão afetar diretamente o desempenho dos outros usuários, o que desequilibra a disputa.

Os cronogramas atuais para lançamentos de jogos não deixam espaços para testes em eventuais áreas com possíveis erros. As empresas então têm que buscar o feedback dos players e consertar as falhas o mais rápido possível. Mas acho que os jogadores que se beneficiam das falhas devem ser punidos, pois desequilibram as partidas.

De acordo com Sae Sawanoguchi, da Behold, os cronogramas podem variar, mas é comum realizar testes em diversas etapas dos jogos. E, antes do lançamento, ter até pessoas voltadas somente para avaliar possíveis falhas reportadas por jogadores em fases beta, por exemplo.

Isso vai depender de em qual etapa de criação o jogo se encontra. Bem no início os testes são feitos internamente por diferentes membros da equipe. Depois podemos até fazer testes com jogadores que possuem acesso antecipado ao jogo, conhecidos como “beta tests”. Bem próximo ao lançamento já chegamos até a ter estagiários pra classificar os bugs reportados pelos jogadores em ordem de gravidade e prioridade pra ser resolvido.

Não, bugs não são engraçados

Um desserviço que se faz aos bugs é tratá-los como conteúdo de humor. Sim, você pode dar algumas gargalhadas vendo jogadores do Fifa se enrolando no chão em uma cena grotesca, que parece até um beijo, ou um lutador do EA Sports UFC ser transportado para fora do octógono em uma pose bizarra e depois aparecer lá no meio do cage novamente como se nada tivesse acontecido.

Bugs em jogos de futebol geram cenas curiosas
Bugs em jogos de futebol geram cenas curiosas

Mas isso não deve ser motivo para bom humor, e sim para indignação e cobranças dos gamers e veículos especializados. Não se pode achar normal ou engraçadinho ver este tipo de falha. E as próprias publishers tratam com seriedade este assunto. Jesús Fabre, da Aquiris, destaca que é o próprio mercado quem mostra como está sendo feito o trabalho.

Prefiro não opinar sobre outras empresas, mas acredito que todos fazem o melhor possível para que seus jogos tenham a melhor qualidade. No fim das contas o mercado é quem recompensa ou castiga a qualidade dos produtos com melhores ou piores vendas. A gente tenta cuidar nossos trabalhos para que eles saiam no mercado com a maior qualidade possível.

Sae Sawanoguchi explica que os cronogramas de testes podem variar muito de uma produção para a outra. Entretanto, o fundamental é sempre ter certeza de que seus jogos não possuem falhas graves antes de serem disponibilizados para o público.

Isso vai depender do tamanho do projeto. Temos jogos feitos em 2 anos, mas também temos jogos feitos em 24 horas. A partir do momento em que o jogo pode ser jogado do início ao fim sem bugs chamados “game breakers” (que impedem o jogador de continuar jogando) concluímos que já podemos iniciar o processo de lançamento do jogo.

Para nós, que trabalhamos e também somos fãs de games, a expectativa é de que toda esta fase de tantos bugs em grandes jogos seja um aprendizado para os desenvolvedores de grandes títulos. E também reconhecemos na nossa ansiedade uma das razões pelas quais os estúdios cada vez mais lançam jogos um atrás do outro. Tomara que isso melhore no futuro!