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NieR: Automata: Vale a pena?

por Daniel dos Reis
NieR: Automata: Vale a pena?

Transformar linhas de códigos de programação em um jogo de videogame, como Nier: Automata, não é algo fácil. Mais difícil ainda é conseguir materializar, mesmo que digitalmente, uma ideia em uma experiência que vá além do apertar sistemático de botões para que um boneco realize determinadas ações.

Videogames são expressões artísticas que se convertem em ensaios que fazem vibrar as mais variadas sensações humanas. Talvez por isso nós, jogadores, gostamos tanto de jogar. Jogos contam histórias fascinantes, emocionam com canções e fazem com que, mesmo por momentos, nos unamos com que o é repassado na tela.

How to Survive 2NieR: Automata é a pura reflexão de uma grande experiência de videogames. O jogo da PlatinumGames se traduz com um gameplay dinâmico, empolgante e repleto de boas combinações, com uma trama que não tem medo de abordar assuntos emblemáticos – com doses homeopáticas de filosofia – e é envolto por uma trilha sonora agradabilíssima. Uma bela obra.

Mesmo que este diamante ainda careça de algumas lapidações, o jogo é mais uma grande opção aos donos de um PlayStation 4.

No princípio era o Verbo

Automata não é um jogo tão simples de se entender a princípio. Antes de joga-lo é preciso primeiro contextualizar cronologicamente o encaixe do novo título. NieR começou como um spin-off de um jogo chamado Drakengard – um RPG japonês – , de PlayStation 2.  A partir de um dos cinco finais deste jogo, deu-se início ao original NieR, lançado em 2010 para PlayStation 3 e outras plataformas da época. Assim como Drakengard, NieR contava com vários finais e um deles deu origem ao NieR: Automata.

Entretanto, apesar das muitas ramificações, não é preponderante saber todo enredo dos dois antecessores para se experienciar Automata. Mas é claro, seria interessante tentar conhecer melhor este universo repleto de galhos que se conectam de variadas formas uns com os outros.

A linha do tempo de todo este emaranhado é bem extensa, contemplando dragões medievais, viagens temporais,  tempos atuais, futuro e um futuro ainda mais distante.

Automata se localiza nesta ponta mais futurista, próximo ao ano 12 mil (D.C).  A terra já não é mais nossa – te lembra algo? -, tendo sido invadida por extra-terrestres em forma de máquinas – ainda não lembrou de nada? –  e a raça humana sofreu perdas irreparáveis, sendo exilada na lua.

A partir do satélite, os remanescentes enviam forças de combate para tentar retaliar a invasão. Em meio a muitos insucessos, uma equipe de andróides (YoRHa) é desenvolvida para batalhar. São super-soldados programados para efetuarem ataques mais corporais, investigarem e ajudarem no que for preciso.

O diferencial destes é sua quase consciência. Eles ainda agem roboticamente, mas refletem como quase qualquer ser humano. Conversando, ponderando e até certo ponto, se importando com seus pares.

2B or not 2B

Três destes androides são protagonistas de Automata. A 2B e seu escudeiro 9S.  Enquanto a moça é mais calma, quieta e concentrada nos objetivos, o jovem é um pouco mais extrovertido e falante.

No começo a dupla não convence muito. No relacionamento entre ambos parece faltar a aquela “química” –  conexão que vai além de interesses incomuns e extrapola os limites da razão -, mas depois de um tempo você acaba se acostumando com a presença do companheiro 9S e, com muito mais horas, compreende a importância do garoto.

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2B, 9S e A2, protagonistas de NieR: Automata

Se por um lado a dupla não combina tanto, o gameplay combina, no sentido de juntar, vários estilos de uma forma bastante competente. Jogar NieR: Automata é uma experiência deliciosa que une hack n slash, RPG, ação, shoo’t  n up e um pouco de beat n up. Uma verdadeira salada de estilos.

E houve uma exímia habilidade da PlatinumGames em integralizar tudo isso, criando uma jogabilidade coesa, divertida, veloz e precisa. As combinações de ataques mudam estrategicamente os combates; golpes que repelem; ataques dilacerantes; outros mais longos; estão no cardápio.

No controle de 2B os jogadores podem usar espadas mais leves ou equipamentos mais pesados. Os mais pesados, claro, causam mais danos, mas perde-se um pouco de tempo na execução.

O interessante é que o game vai além do clichê “esmagar somente um botão para desferir golpes”. Existem combinações entre os ataques fracos e fortes, além do uso da esquiva. Desviar de um golpe pode desencadear uma sequência de poderosos ataques contra os oponentes e é visualmente bacana.

Outro destaque é o pequeno Pod, um robozinho que orbita sobre 2B. Ele dispara tiros e pode ser personalizado com personalizações – chips de habilidades – que auxiliam e muito nos combates. Pode-se equipar auto-cura, disparo de lasers, escudos, sonares, etc.

O sistema de personalização nos faz lembrar dos elementos de RPG do game. Armas (são quatro tipos no total) podem ser melhoradas ou mesmo encontradas ao longo dos cenários. E não somente as de 2B. O Pod também pode ser aperfeiçoado com chips que otimizam suas capacidades de combate-suporte. Os elementos de RPG não chegam a ser tão profundos como em um RPG puro, mas adicionam mais gordura ao produto.

E um destaque da jogabilidade são as transições de perspectiva, transformando-o quase que em outro tipo de jogo. Em muitos momentos, é possível controlar 2B de forma lateral, no melhor estilo sidescrolling. O ponto alto disso são as elegantes mudanças de câmeras. O jogo faz isso de maneira suave e bem bonita, sem deixar que ação na tela seja perdida.

Em outros, 2B ‘veste’ uma espécie de traje e o jogo se transforma em algo similar a um game dos Transformes, muito mais competente, diga-se. Com outros ataques, formas de abordagem, esquivas, etc.

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NieR: Automata – O jogo se transforma em diversos estilos.

É atraente como os desenvolvedores conseguiram oferecer diversas propostas dentro de uma só. Isso confere ao jogo uma variação agradável, não deixando que o marasmo se faça presente.

Há também resquícios dos jogos japoneses. Nem todos os diálogos contam com conversação em áudio. Algumas conversas são através dos menus, progredindo através das mensagens, no mesmo esquema dos Final Fantasys mais clássicos (VII, VIII e IX).

Já a esquematização dos menus decepciona um pouco. A organização dos itens e, principalmente, a navegação pelo mapa não é muito eficaz. NieR: Automata é uma espécie de jogo em mundo aberto, com vários locais (hubs) onde é possível encontrar aliados, fazer o comércio de itens, armas e equipamentos e iniciar sidequests. Mas o desenho da planta se parece com algo similar a uma realidade aumentada, sendo possível mudar o ângulo para tentar observar melhor.

Não ficou muito funcional essa implementação. Às vezes, de forma automática, você deseja marcar uma posição no mapa, mas acaba mudando de aba, por exemplo.

O fim é um recomeço

E quando subirem as letrinhas dos créditos, não quer dizer que tudo acabou. Muito pelo contrário. O legado de NieR e Drakengard  foi mantido. NieR: Automata conta com diversos finais e outros braços do enredo que precisam ser explorados.

Ao terminar a primeira jogatina, o jogador pode recomeçar o jogo com 9S, o outro androide. Mas não se trata apenas de uma mudança de caracter. A versão masculina do YoRHa conta com jogabilidade diferente, podendo hackear outras máquinas através de mini-games, armas distintas e pedaços de história diferentes.

No controle de 9S, a história volta ao início, mas dessa vez tudo pode ser compreendido por outra visão. Em partes determinas da trama a dupla se separa e você consegue dimensionar cada um dos caminhos.

Mas, existe ainda uma terceira personagem, a androide A2 que faz aparições nas narrativas dos dois primeiros. Terminando o jogo com 9S, o jogador é convidado a explorar o jogo com esta nova personagem que conta com uma trama completamente diferente e uma jogabilidade mais similar a 2B, mas com elementos próprios.

E é nisso que o jogo se destaca. Na oferta de uma experiência muito mais ampla que um primeiro olhar acredita enxergar. Ao permitir diversos playthroughs, compreendendo todas as nuances de um enredo complexo, com muitas aberturas para diversas interpretações, a PlatinumGames entrega uma trama intrincada e muito competente com muitos, mas muitos finais diferentes.

Este jogo, objeto de análise, conta com surreais 26 conclusões diferentes. Algumas são melhores que outras. Mas, o final verdadeiro só é possível após uma terceira conclusão, jogando com A2 e enfrentando um chefe secreto.

Os finais variam de acordo com opções como: abandonar um companheiro de batalha em determinado ponto, fugir de um combate específico, escolher uma opção, etc. Mas, nem todos são exatamente muito diferentes. Algumas conclusões mudam os diálogos finais, revelando ainda mais do enredo.

É assim, subvertendo a lógica e instigando os jogadores a degustarem uma nova experiência, que faz de NieR: Automata um jogo apaixonante. Já na terceira passagem pelos cenários, dentro de uma outra perspectiva, com outra trama e articulações você percebe a grandeza de tudo.

Entretanto, entramos agora em um ponto que certamente irá dividir opiniões. NieR: Automata chegou ao mercado brasileiro sem nenhum tipo de localização. O jogo está totalmente em inglês. Algo inaceitável para os padrões atuais.

Muitos vão pontuar que isto, de nenhuma forma, atrapalha a experiência geral. Mas, a grande maioria dos jogadores brasileiros certamente colocarão na balança a ausência de ao menos legendas. No momento da compra, principalmente se considerarmos que a pitoresca trama é cheia de diálogos e arcos, muitos vão preterir o título.

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NieR:Automata não está localizado.

Os embaraços de Automata exigem um pouco de atenção do jogador. Por isso, a leitura dos diálogos e mensagens é fator crucial da experiência.

Músicas para o ouvido

Como dito logo no começo, NieR: Automata aguça diversas sensações. Uma destas, talvez aquela que melhor cadencia a jogabilidade, é a trilha sonora.

As melodias que embalam as batalhas, o campo da resistência, o parque de diversões e tantas outras ocasiões são absolutamente incríveis. Não raros os momentos, você certamente ficará imóvel, apenas ouvindo as canções de olhos fechados. É quase como um viagem para dentro de si.

E, durante os conflitos contra os memoráveis chefes, seus ouvidos serão despertados para agir com mais rapidez, procurando fugir dos perigosos ataques.

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NieR:Automata – Você vai parar para ouvir o som

Visual existencial

Se até o momento do texto o jogo foi além das expectativas, aqui ele escorrega um pouco. É quase como uma apuração das notas das escolas de samba. Depois de tantos “10”, você já se acostuma com a entonação pomposa do narrador e aguarda por aquele DEZZZZ… Mas na realidade ouve um 9.5 – quebra o ritmo; gera um descompasso; quase podemos ouvir um “oooohhh” dentro da cabeça.

O visual deixa a desejar um pouco, em resumo sucinto.

Não é pela paleta de cores mais simples. Na verdade, isso é facilmente compreendido, afinal a terra foi invadida, não tem mais civilizações e está desolada. É ‘normal’ esse visual mais cinza, pouco populoso e meio sem sal.

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NieR:Automata – cenários com poucas cores

O problema consiste em muitos slowdowns presenciados ao longo de todo gameplay. Parece que o jogo se esforça para rodar nos 60FPS constantes e simplesmente não consegue se manter.

Fosse apenas em um ponto ou com ações específicas, não haveria margem para citações. Mas isto acontece em todos os tipos de situações: áreas fechadas, abertas, batalhas, etc. Não chega a comprometer a ação, mas incomoda um pouco.

Há ainda alguns problemas com a câmera. Por vezes, ela ela não faz um enquadramento adequado. Isso acontece em batalhas contra os enormes chefes. Quase todo jogo que coloca os jogadores frente a frente contra inimigos gigantes sofrem desse mal.

Mas não cultive uma impressão errada. O jogo é sim muito charmoso. Um bom exemplo é o cenário do deserto, onde os protagonistas podem meio que surfar nas ondas de areia. É um efeito interessante.

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NieR:Automata: Deserto é belíssimo.

Glory to Mankind

NieR: Automata é quase um mineirinho. Chega de mansinho, como quem não quer nada, comendo pelas beiradas e quando nos damos conta, ele já realizou um grande feito.

Neste caso, o jogo vai conquistando seu espaço como um passo a passo. Uma primeira explorada não revela muito. Uma segunda, ajuda a compreender melhor a trama e a entender pontos desconexos. Em uma terceira vez você já não se dá mais conta que está totalmente imerso em uma aventura recheada de opções, com uma novela articulada e agradável.

Mas, assim como em um seriado, tem seus momentos de baixa. Aqui no entanto, o ponto de mínimo é bem próximo do de máximo. Organização dos menus e desempenho técnico um um pouco inconstante pesam em alguns décimos. Nada que vá lhe impedir de considerá-lo como uma opção. Claro que se formos considerar a ausência de uma localização, outos décimos deveriam ser debitados. Todavia, cada um tem suas variáveis neste domínio.

Daniel dos Reis
Daniel dos Reis
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Jogando agora: Horizon Forbidden West (PC)
Manager do MeuPS e um cara de muita sorte por trabalhar com aquilo que gosta.